O pranto da Faxineira de Ilusões

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

 

Entoo um canto um canto triste...

Passo por corredores de um espaço aqui de minha aldeia tão querida que me dão a dimensão do caos, do desrespeito e do visível (e por conveniência  se torna invisível) que é a saúde em nosso país.

Saí de um outro ambiente em que um ser amado teve cuidados especiais para entrar num túnel que me diz realmente o que são carências.

Corredores que me fazem refletir mais ainda sobre a degradação que dizima qualquer olhar e sentir.

Já é noite.

Vejo pessoas também necessitadas de cuidados especiais. Pessoas que estão esquecidas e  deixadas à deriva por quem tinha a obrigação de dar estrutura para atendê-las.

Minoria elitizada que deveria direcionar os olhares para os hospitais, para os médicos que fazem milagres e rotineiramente caminham na contra mão e são vitimas da sujeira nacional.

Pelos corredores observo o desencanto e as dores físicas paridos pela crueldade de uma pequena elite necrosada que desvia, deposita em outros cofres, que rouba medicamentos, que não repassa o devido a quem teve a coragem de construir ( e também ganhar  ,por que não, se trabalham ?) e que sonham com ambientes dignos para praticarem o legado de Hipócrates.

Vejo seres humanos desrespeitados pois os “podres poderes”( licença Caetano!) que deveriam agir e respaldar quem constrói esses espaços -estão impotentes e ficam à míngua-  são omissos porque estão ocupados com a realização pessoal e de seus comparsas.

Leitos nus, corpos doentes, precariedade, degradação humana...

 

Entoo um canto triste...

Observo o meu porto, meu chão existencial .

Um porto que me ensinou tantas coisas e esclareceu ao meu coração a vantagem de se ser verdadeira, de abraçar atitudes dignas e não soltá-las nunca mais.

Um porto que me deu âncoras afetivas eternas e me amparam.

Meu espaço,berço de tantos crescimentos e de inúmeras alegrias , meu porto que  já vivenciou mágoas-amarguras- dores-tristezas,raízes que a vida fortalece para se crer mais na Energia presenciando as viagens intransferíveis à matéria...

 

Entoo um canto que é pranto meu...

Triste, vejo-me neste porto tão amado. Tanto movimento, tantas contradições, tanta ausência!

Nada mudou, nada transparece o gesto apaziguador da transmutação, porque, agora tudo é um caos.

Como reencontrar o meu porto querido?

Aqui estou neste lugar que me deu e  confirma alicerces vitais e canto um pranto todo meu porque as horas pedem urgência para a vida prosseguir e as vidas que estão na aldeia precisam viver em paz ...

Como encontrar a paisagem natural, tão simples e, ao mesmo tempo, tão rica que me deu argumentos de sobrevivência e crença no que preservo em mim, até hoje?

Como acordar as pessoas que vivem neste porto e não abrem os olhos para o horizonte, que é sábio e, sob símbolos, mostra a divina tarefa de cada uma?

 

Entoo um canto triste,um pranto todo meu porque a emoção não é hipócrita e não se deixa fingir que está tudo bem.

Meu canto é feito de lágrimas e dores.

Meu canto é regido pelas atitudes que , andando pelos calçadões sujos pela falta de educacão de quem aqui vive, constato , não compreendo e sinto repulsa.

 

Entoo um canto que é pranto meu...

Ele foi criado pela maldade dos que fazem com quem sempre deu as boas vindas, para quem direcionou os caminhos de todos que aqui chegaram e devastam tudo que receberam por mãos abertas ao amor.

Meu canto é triste porque estão calando os timoneiros do meu porto,impedindo-os de viver e bloqueando as suas vidas que,anseiam descansar,porque agora deveria ser  o tempo da tranqüilidade, das ondas leves, das doces brisas e não é...

 

Vejo o meu porto tão deteriorado e sinto tristeza, porque, Faxineira de ilusões, tenho a missão de mostrar não só a beleza que é a vida limpa, livre das amarras da irresponsabilidade, do desconhecimento de dever mas, também, a transparência de reconhecimentos e sentimentos que enchem a alma de prazer.

Sou Faxineira de Ilusões e canto um canto triste.

Sou Faxineira e choro pelas dores que os príncipes do porto estão sentindo, porque já não suportam presenciar a ruína de suas construções e de seus planos que afundaram nas tempestades pela incompreensão e pela ausência de visão e responsabilidade de seus comandados.

Por isso entoo um canto triste que é pranto meu.

Ana Virgínia Santiago é jornalista, escritora e poeta.